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Amarna

Como vocês já devem ter percebido, eu gosto de Egiptologia! Um assunto fascinante, por isso estou estudando para ser um Egiptólogo Amador. Como o Egito foi uma das primeiras civilizações do planeta, e durou mais de 3 mil anos (a nossa civilização atual, tem cerca de 2 mil anos), influenciou muito as nossas atuais religiões e aguçou a nossa mente, com uma série de possibilidades extraterrestres, dentre outras.

Vamos lá, falar um pouco mais da cidade criada por Amenophis IV, que então trocou de nome para Akenáton, e foi o pai do conhecido Tutankamon, que na verdade chamava-se, na época, Tutankaton!!!

Akhenaton e a Família Real abençoados por Aton

Amarna é o nome arábico moderno para o sítio da antiga cidade egípcia de Akhetaton, capital do país durante o reinado de Akhenaton (1353-1336 a.C.). É conhecido oficialmente como Tell el-Amarna, assim denominado por causa da tribo Beni Amran, que vivia na área quando se descobriu o sítio.

Um “tell”, em arqueologia, é um outeiro criado pelos remanescentes de sucessivas habitações humanas de uma área num dado número de anos. Como cada nova geração constrói nas ruínas da anterior, seus edifícios ficam mais elevados e se cria uma colina artificial. Amarna difere do “tell” costumeiro por não ter caído diante de um poder estrangeiro ou terremoto e nunca mais ser reconstruída na Antiguidade; em vez disso, acabou destruída por ordem do faraó Horemheb (c. 1320-1292 a.C.), que buscou apagar o nome e realizações de Akhenaton dos anais da história; depois disso, suas ruínas permaneceram na planície às margens do Rio Nilo por séculos e, gradualmente, o local recebeu novas construções dos que viviam nas redondezas.

Quando chegou ao poder, Akhenaton era um rei poderoso, encarregado – como todos os soberanos egípcios – com a manutenção de ma’at (harmonia e equilíbrio) na terra. Ma’at, um valor central da cultura do país, dava condições para que todos os aspectos da vida funcionassem harmoniosamente como deveriam. Surgiu no início da criação e desta forma, naturalmente, a observância e manutenção de ma’at pelo rei dependia fortemente na veneração adequada dos deuses conforme os tradicionais ritos e rituais.

O ÚNICO DEUS VERDADEIRO PARA AKHENATON ERA A LUZ, A LUZ DO SOL, QUE SUSTENTAVA TODA A VIDA.

Embora Akhenaton, de início, tenha mantido esta prática, por volta do quinto ano de seu reinado (c. 1348 a.C.), ele aboliu a antiga religião egípcia, fechou os templos e impôs sua própria visão monoteísta ao povo. Esta inovação, embora saudada por monoteístas das últimas centenas de anos, prejudicou a economia egípcia (que dependia muito dos templos), distraiu o rei das relações exteriores, estagnou o exército e resultou em significativas perda do status do Egito junto às nações vizinhas.

Por estas razões, o filho e sucessor de Akhenaton, Tutankhamon (ou Tutancâmon, c. 1336-1327 a.C.), fez o Egito retornar às práticas religiosas tradicionais e rejeitou o monoteísmo paterno. Não viveu o suficiente para completar a restauração do país, porém, o que ficou a cargo de Horemheb. Esta era da história egípcia é conhecida como Período de Amarna, geralmente datada desde as reformas de Akhenaton até o reinado de Horemheb: c. 1348 – c. 1320 a.C.

A Cidade do Deus

O deus que Akhenaton escolheu para substituir todos os demais não era uma criação sua. Aton, uma divindade solar menor, personificava a luz do sol. O egiptólogo David P. Silverman destaca que Akhenaton nada mais fez do que elevar este deus ao nível de divindade suprema e atribuir a ele as qualidades anteriormente associadas com Amon, mas sem nenhuma das suas características pessoais. Silverman escreve:

Ao contrário das divindades tradicionais, este deus não podia ser retratado: o símbolo do disco solar com raios, dominando a arte de Amarna, é nada mais do que uma versão em larga escala do hieróglifo para “luz”. (128)

O único deus verdadeiro de Akhenaton era a luz, a luz do sol, que sustentava toda a vida. Diferente dos outros deuses, Aton situava-se acima das preocupações mundanas e não possuía fraquezas humanas. Como Akhenaton expressa em seu Grande Hino a Aton, este deus não podia ser ciumento, deprimido, raivoso ou agir num impulso; ele simplesmente existia e, por esta condição, concedia existência a tudo o mais. Um deus tão poderoso e admirável não podia ser adorado em qualquer templo de outros deuses nem em qualquer cidade que tivesse sediado a adoração de outras divindades; ele requeria uma nova cidade, construída unicamente para honrá-lo e venerá-lo.

Estela de Akhenaton

A cidade era Akhetaton, erguida a meio caminho entre as capitais tradicionais de Mênfis, ao norte, e Tebas, ao sul. Estelas fronteiriças, instaladas a intervalos em torno de seu perímetro, contavam a história de sua fundação. Numa delas, Akhenaton registra a natureza do local que escolheu:

Vejam, é o Faraó que a encontrou – não sendo a propriedade de um deus, não sendo a propriedade de uma deusa, não sendo a propriedade de um governante masculino, não sendo a propriedade de uma governante feminina, não sendo a propriedade de ninguém. (Snape, 155)

Outras estelas e inscrições deixam claro que a fundação da cidade foi uma iniciativa de Akhenaton como indivíduo, não como rei do Egito. Um faraó do Novo Império do Egito (c. 1570 – c. 1069 a.C.) determinaria a construção de um edifício ou templo de uma cidade, ou a instalação de obeliscos e monumentos em seu nome real e para a glória de seu deus particular, mas estes projetos deveriam beneficiar a nação como um todo, não apenas o rei. A cidade de Akhenaton foi construída com o único propósito de proporcionar-lhe um elaborado distrito sagrado para seu deus.

Projeto e Traçado

Akhetaton estendia-se por mais de seis milhas na margem leste do Nilo, entre a orla e os despenhadeiros sobre Assiute. Algumas estelas fronteiriças foram esculpidas diretamente no despenhadeiro, enquanto outras se erguiam nos lados mais distantes da cidade. Os quatro distritos principais eram a Cidade Norte, Cidade Central, Subúrbios Meridionais e a Periferia; não se usavam estes nomes na Antiguidade.

A Cidade Norte estendia-se em torno do Palácio Norte, onde se recebiam os convidados e adorava-se Aton. A família real vivia em apartamentos nos fundos do palácio e os salões mais opulentos, pintados com cenas exteriores retratando a fertilidade da região do Delta, estavam dedicados a Aton que, segundo se acreditava, vivia neles. O palácio não tinha telhado – uma característica comum dos prédios em Akhetaton –, como um gesto de boas-vindas à divindade.

Palácio Norte de Amarna

A Cidade Central situava-se em torno do Grande Templo de Aton e o Pequeno Templo de Aton. Nela se encontrava o núcleo burocrático da cidade, onde os administradores trabalhavam e viviam. Os Subúrbios Meridionais abrigavam o distrito residencial para a elite mais abastada e apresentavam grandes propriedades e monumentos. Na Periferia viviam os camponeses, que trabalhavam os campos, construíam e cuidavam das tumbas próximas da necrópole.

O próprio Akhenaton projetou a cidade para seu deus, como as estelas fronteiriças deixam claro, e recusou sugestões ou conselhos de qualquer um, inclusive da esposa, Nefertiti (c. 1370 – c. 1336 a.C.). Precisamente qual tipo de sugestões feitas por ela não se sabe, mas o fato de Akhenaton fazer questão de declarar que não ouviu seus conselhos parece indicar que eram significativos. O egiptólogo Steven Snape comenta:

É óbvio que o “prospecto” da nova cidade, esculpido nas estelas fronteiriças, está profundamente preocupado em descrever as provisões que seriam feitas para o rei, sua família imediata, o deus Aton e aqueles funcionários religiosos que estavam envolvidos com o culto. É igualmente óbvio que ignora completamente as necessidades da vasta maioria da população de Amarna, pessoas que teriam sido transferidas (possivelmente contra a vontade) de seus lares para habitar a nova cidade. (158)

Uma vez que Akhenaton transferiu sua capital para Akhetaton, ele concentrou sua atenção na veneração a Aton e, cada vez mais, deixou de lado os assuntos de estado, bem como as condições de vida além dos limites da cidade, num país que estava caindo em declínio.

O Reinado de Akhenaton e as Cartas de Amarna

As Cartas de Amarna são tabuinhas cuneiformes descobertas em Akhetaton em 1887, por uma mulher local que cavava em busca de adubo. São correspondências entre reis do Egito e de nações estrangeiras, bem como documentos oficiais do período. A maioria destas cartas demonstra que Akhenaton se comportava como um administrador capaz quando a situação lhe interessava pessoalmente, mas, à medida que transcorria seu reinado, ele se importava menos e menos pelas responsabilidades reais.

Em uma carta, ele repreende fortemente o governante estrangeiro Abdi-Asirta (também conhecido como Aziru) por suas ações contra o rei de Biblos, Ribaddi (ou Rib-Hadda) – que foi morto – e sua amizade com os hititas, na época inimigos do Egito. Isso sem dúvida tinha mais a ver com seu desejo de manter boas relações com os estados situados entre o Egito e a Terra de Hatti – Canaã e Síria, por exemplo, que estavam sob influência de Abdi-Asirta – do que por qualquer senso de justiça pela morte de Ribaddi e a conquista de Biblos.

As Cartas de Amarna

Também não resta dúvida de que sua atenção ao problema servia aos interesses do estado mas, como outras questões similares foram ignoradas, parece que ele só tratava das questões que o afetavam pessoalmente. Akhenaton ordenou que Abdi-Asirta fosse levado ao Egito e o aprisionou durante um ano, até que os avanços hititas ao norte forçaram sua libertação, mas parece haver uma marcante diferença entre as cartas lidando com esta situação e outras correspondências em problemas semelhantes.

Embora haja exemplos como este, no qual Akhenaton trata de assuntos de estado, existem muitos mais trazendo evidências de seu desinteresse por qualquer coisa que não fossem suas reformas religiosas e a vida no palácio. Deve ser observado, porém, que este é um ponto com frequência – e ardentemente – debatido entre acadêmicos nos tempos modernos, como de resto ocorre com todo o assim chamado Período de Amarna do governo de Akhenaton. Com referência a isso, Dr. Zahi Hawass escreve:

Escreveu-se mais sobre este período da história egípcia do que qualquer outro, e sabe-se que estudiosos têm brigado, ou pelo menos levados a episódios flagrantes de indelicadeza, sobre suas opiniões conflitantes. (35)

A preponderância da evidência, tanto das cartas de Amarna quanto de um decreto posterior de Tutankhamon, bem como indicações arqueológicas, sugerem fortemente que Akhenaton foi um governante bastante ruim no que se refere aos seus súditos e estados vassalos e seu reinado, nas palavras de Hawass, representou “um regime focado para dentro que perdeu todo o interesse em sua política externa” (45).

Akhenaton via-se e à sua esposa não somente como servos dos deuses, mas como encarnações da luz de Aton. A arte do Período de Amarna retrata a família real estranhamente alongada e fina e, ainda que isso tenha sido interpretado por alguns como “realismo”, é bem mais provável um propósito simbólico. Para Akhenaton, o deus Aton era diferente de todos os outros – invisível, todo-poderoso, onisciente e transformativo – e a arte do período parece refletir esta crença nas figuras curiosamente altas e magras representadas: eles teriam sido transformados pelo toque de Aton.

Destruição da Cidade

A cidade prosperou até a morte de Akhenaton; depois disso, Tutankhamon transferiu a capital de volta para Mênfis e então para Tebas. O novo faraó deu início às medidas para reverter as políticas paternas e devolver ao Egito as antigas crenças e práticas religiosas que haviam mantido e ajudado a desenvolver sua cultura por quase 2.000 anos. Os templos foram reabertos, assim como os negócios que dependiam deles.

Tutankhamon morreu antes que pudesse finalizar estas reformas, que prosseguiram com seu sucessor, o antigo vizir, Ay, e então por Horemheb. Este último, um general sob Akhenaton, o havia servido fielmente, mas discordava veementemente das suas reformas religiosas. Quando Horemheb assumiu o trono, Akhetaton ainda permanecia de pé (como demonstrado por um santuário dedicado a ele e construído naquela época), mas não continuaria intacta por muito tempo. O faraó ordenou que a cidade fosse arrasada e os remanescentes utilizados como entulho em seus próprios projetos.

Relevo de Horemheb

Horemheb dedicou-se com tanto empenho a apagar o nome e realizações de Akhenaton que este não aparece em nenhum registro histórico posterior do Egito. Quando era citado é somente como “o herético de Akhetaton”, mas nunca nomeado e sem nenhuma referência à sua posição como faraó.

Descoberta e Preservação

As ruínas da cidade foram mapeadas e desenhadas inicialmente no século XVIII pelo padre francês Claude Sicard. Outros europeus visitaram o local posteriormente e o interesse na área aumentou após a descoberta das Cartas de Amarna. Houve explorações e mapeamentos adicionais no final do século XVIII pelo corpo de engenheiros de Napoleão, durante sua campanha egípcia, e seu trabalho atraiu a atenção de outros arqueólogos após a decifração da Pedra de Rosetta, que permitiu a leitura dos hieróglifos a partir de c. 1824. Assim, o nome de Akhenaton passou a ser conhecido, mas não seu significado histórico. Somente quando arqueólogos descobriram, no início do século XX, as ruínas que Horemheb havia utilizado como entulho que a história de Akhenaton começou finalmente a ser descoberta.

Atualmente, o sítio traz uma área ampla e árida de fundações em ruínas, preservadas e escavadas pelo Projeto Amarna. Ao contrário das ruínas de Tebas ou da vila de Deir el-Medina, pouco subsistiu de Akhetaton para um visitante admirar. O egiptólogo Steven Snape comenta que “além das reconstruções modestas de partes da cidade por arqueólogos modernos, não há virtualmente nada para ser visto da cidade de Amarna” (154). Não se trata de algo incomum, pois cidades como Mênfis e Per-Ramsés, ambas também capitais do antigo Egito – bem como muitas outras – atualmente não passam de extensões desoladas, com muito menos monumentos do que aqueles que sobreviveram em Amarna.

O que faz Amarna um caso especial neste aspecto é que a cidade não acabou sendo destruída pelo tempo ou por um exército invasor, mas pelo sucessor do rei que a construiu. Em nenhuma outra época da história do antigo Egito o sucessor de um rei arrasou uma cidade para apagar completamente seu nome. Remover o nome de alguém de um templo, monumento ou túmulo o condenava por toda a eternidade, mas, neste caso, somente a remoção da cidade inteira satisfaria o senso de justiça de Horemheb.

Os egípcios acreditavam que era preciso ser lembrado pelos vivos para continuar a eterna jornada na vida além-túmulo. No caso de Akhenaton, não seria somente um túmulo ou templo que foi desfigurado, mas a totalidade de sua vida e reinado. Todos os seus monumentos situados nas cidades egípcias acabaram derrubados e cada inscrição portando seu nome ou de seu deus terminou editada com cinzéis. Considerou-se a heresia de Akhenaton tão séria, e os danos feitos ao país tão severos, que se acredita que ele obteve a pior punição que se podia conceber no antigo Egito: a não-existência.

Bibliografia

Mark, Joshua J.. “Amarna.” Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação Agosto 01, 2017. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-12780/amarna/.

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Egiptologia

Livro Egípcio dos Mortos

O Livro Egípcio dos Mortos é uma coleção de feitiços que possibilitam auxiliar a alma do falecido na jornada da vida após a morte. O célebre título foi dado à obra por estudiosos ocidentais; o título original é traduzido como O Livro do Surgimento do Dia ou O Livro Para Sair no Dia. Uma tradução mais apropriada seria O Livro Egípcio da Vida, pois o propósito da obra é garantir não apenas a sobrevivência após a morte corporal, mas a promessa de uma vida eterna em um reino muito semelhante ao mundo que a alma abandonou. Os feitiços forneciam essa garantia por meio de detalhes precisos sobre o que esperar durante a travessia do submundo e o tipo de conhecimento necessário para alcançar o paraíso.

Embora a obra seja frequentemente referida como “a Bíblia do Egito antigo”, não é tal coisa, embora ambas as obras compartilhem a semelhança de serem compilações antigas de textos escritos em épocas diferentes, eventualmente reunidos em forma de livro. O Livro dos Mortos nunca foi codificado, e não há duas cópias da obra exatamente iguais. Elas foram criadas especificamente para cada indivíduo que pudesse comprar um exemplar, como uma espécie de manual de auxílio no Outro Mundo. A egiptóloga Geraldine Pinch explica:

O Livro Egípcio dos Mortos é um termo cunhado no século XIX d.C. para um conjunto de textos conhecidos pelos antigos egípcios como os O Livro Para Sair no Dia. Após a tradução inicial do Livro dos Mortos pelos egiptólogos, ele conquistou um lugar no imaginário popular como a Bíblia dos Antigos Egípcios. No entanto, tal comparação é muito inadequada. O Livro dos Mortos não era o livro sagrado central da religião egípcia. Era apenas um entre uma série de manuais elaborados para auxiliar os espíritos dos mortos da elite a alcançar e manter uma vida plena na eternidade (26).

A vida após a morte era considerada uma continuação da existência na Terra, e, após passar por várias dificuldades e julgamentos no Salão da Verdade, um paraíso que era um reflexo perfeito da vida na Terra se manifestava. Após a alma ter sido justificada no Salão da Verdade, ela cruzaria o Lago dos Lírios para repousar no Campo de Juncos, onde encontraria tudo o que perdera na vida terrena e assim desfrutar eternamente. Para alcançar esse paraíso, no entanto, era necessário saber para onde ir, como dirigir-se a certos deuses, o que dizer em determinados momentos e como se comportar na terra dos mortos; por isso, um manual para o além-mundo era extremamente útil.

A História

POSSUIR UM LIVRO DOS MORTOS EM SEU TÚMULO SERIA O EQUIVALENTE A UM ESTUDANTE DOS DIAS MODERNOS TER ACESSO A TODAS AS RESPOSTAS DAS PROVAS AO LONGO DE SUA ESCOLARIDADE.

O Livro dos Mortos originou-se de conceitos retratados em pinturas e inscrições em tumbas já na Terceira Dinastia do Egito (c. 2670 – 2613 a.C.). Na 12ª Dinastia (1991 – 1802 a.C.), esses feitiços, acompanhados de ilustrações, foram escritos em papiro e colocados em tumbas e sepulturas com os mortos.

Seu propósito, como explica a historiadora Margaret Bunson, “era instruir os falecidos sobre como superar os perigos do pós-vida permitindo-lhes assumir a forma de diversas criaturas míticas e dar-lhes as palavras-chave necessárias para admissão em certos estágios do submundo” (47).

Além disso, esses textos serviam para proporcionar ao espírito um conhecimento prévio do que seria esperado em cada estágio da jornada. Ter um Livro dos Mortos em seu túmulo seria o equivalente a um estudante dos dias modernos ter acesso a todas as respostas de todas as provas ao longo de sua escolaridade.

Em algum momento antes de 1600 a.C., os diferentes encantos foram divididos em capítulos e, na época do Novo Império (c. 1570 – c. 1069 a.C.), o livro tornou-se extremamente popular. Escribas especialistas em encantamentos eram consultados para criar manuscritos personalizados para um indivíduo ou uma família. Bunson observa: “Esses feitiços e palavras mágicas não faziam parte de um ritual, mas foram criados para o falecido a fim de serem recitados no pós-morte” (47). Se alguém estivesse doente e temesse morrer, deveria ir a um escriba e pediria que escrevesse um livro ritualístico para o além. O escriba precisaria saber que tipo de vida a pessoa teve para supor o tipo de jornada que deveria se esperar após a morte; então, os encantos apropriados seriam registrados especificamente para aquele indivíduo.

Antes do Império Novo, o Livro dos Mortos era disponível tão somente para a realeza e a elite. A popularidade do Mito de Osíris nesse período fez as pessoas acreditarem que os encantos eram indispensáveis, pois Osíris ocupava um lugar de destaque no julgamento da alma na vida após a morte. À medida que mais e mais pessoas desejavam o seu próprio Livro dos Mortos, os escribas o redigiam, e assim tornou-se apenas mais uma mercadoria produzida para o comércio.

Da mesma forma que as editoras hoje em dia oferecem livros impressos sob demanda ou de obras auto publicadas, os escribas ofereciam diferentes “pacotes” para os clientes escolherem. Eles poderiam exigir quantos encantamentos pudessem pagar. Bunson escreve: “O indivíduo poderia decidir o número de capítulos a serem inclusos, os tipos de ilustrações e a qualidade do papiro usado. O comprador era limitado apenas por seus recursos financeiros” (48).

Do Império Novo até a Dinastia Ptolomaica (323 – 30 a.C.), o Livro dos Mortos foi produzido dessa forma. Continuou a variar em formato e tamanho até c. 650 a.C., quando foi padronizado em 190 feitiços fixos; mas, ainda assim, as pessoas podiam adicionar ou subtrair o que quisessem do texto. Por exemplo, um Livro dos Mortos da Dinastia Ptolomaica que pertencia a uma mulher chamada Tentruty tinha anexado o texto das Lamentações de Ísis e Néftis, o qual nunca fora implementado como parte do Livro dos Mortos. Outras cópias continuaram a ser produzidas com mais ou menos encantos a depender do valor. O único que toda cópia aparenta ter tido, entretanto, foi o Feitiço 125.

Feitiço 125

O Feitiço 125 é o mais conhecido de todos os textos do Livro dos Mortos. Pessoas que não estiverem familiarizadas com o livro, mas que tenham noção geral da mitologia egípcia, podem reconhecer sem nem o perceber. O Feitiço 125 descreve o julgamento do coração do falecido pelo deus Osíris no Salão da Verdade, uma das imagens mais conhecidas do Egito antigo, mesmo que o deus com suas escalas nunca seja efetivamente descrito no texto. Como era vital que o espírito passasse no teste da pesagem do coração para ganhar o paraíso, saber o que dizer e como agir diante de Osíris, Thoth, Anúbis e os Quarenta e Dois Juízes era considerado a informação mais importante que o morto poderia ter consigo.

Quando uma pessoa sucumbia, era conduzida por Anúbis ao Salão da Verdade (também conhecido como o Salão das Duas Verdades), onde faria a Confissão Negativa (também conhecida como Declaração de Inocência). Essa era uma lista de 42 pecados que a pessoa podia afirmar honestamente que nunca havia cometido. Uma vez feita a Confissão Negativa, Osíris, Thoth, Anúbis e os Quarenta e Dois Juízes conferiam, e se a confissão fosse aceita, o coração do falecido era então pesado na balança contra a pena branca de Ma’at, a pena da verdade. Se o coração fosse mais leve que a pena, o espírito seguiria em direção ao paraíso; se o coração fosse mais pesado, era lançado no chão e devorado pela deusa monstro Ammut, e assim a alma deixaria de existir.

O Feitiço 125 começa com uma introdução ao leitor (o espírito): “O que deve ser dito ao chegar a este Salão da Justiça, purgando _____ [nome da pessoa] de todo o mal que cometeu e contemplando os rostos dos deuses.” O feitiço então começa de maneira muito clara, dizendo exatamente ao falecido o que dizer ao encontrar-se com Osíris:

Salve a você, grande deus, Senhor da Justiça! Eu vim até ti, meu senhor, para que possas conduzir-me a fim de que eu possa contemplar tua beleza, pois eu te conheço e sei o teu nome, e sei os nomes dos quarenta e dois deuses que estão contigo neste Salão da Justiça, dos quais vivem daqueles que se alimentam do mal e que sorvem o sangue deles no dia do acerto de contas na presença de Wennefer [outro nome para Osíris]. Eis o duplo filho das Cantoras; Senhor da Verdade é o teu nome. Eis que vim até ti, trouxe-lhe a verdade, afastei de ti a falsidade. Não pratiquei a falsidade contra os homens, não empobreci meus associados, não cometi nenhum erro no Lugar da Verdade, não aprendi o que não deve ser aprendido…

Após esse prólogo, é recitada a Confissão Negativa e o morto é questionado pelos deuses e pelos Quarenta e Dois Juízes. Nesse ponto, informações muito específicas eram necessárias para ser justificado pelos deuses. Era preciso conhecer os nomes das diferentes deidades e suas responsabilidades, mas também era necessário saber detalhes como os nomes das portas e o chão que se precisava atravessar; era necessário até mesmo conhecer os nomes dos próprios pés. Conforme a alma respondesse a cada divindade e objeto com a resposta correta, ouviria a réplica “Você nos conhece; passe por nós” e prosseguiria. Em determinado momento, deveria responder ao chão sobre os pés da alma:

“Não permitirei que pises em mim”, diz o chão do Salão da Justiça.

“Por quê? Eu sou puro.”

“Porque não conheço os nomes dos teus pés com os quais pisas em mim. Diga-me.”

“Imagem secreta de Ha’ é o nome do meu pé direito; ‘Flor de Hathor’ é o nome do meu pé esquerdo.”

“Você nos conhece; entre por nós.”

O ritual se encerra como que o morto deve se trajar quando enfrentar o julgamento e como deve recitar o feitiço:

O procedimento correto neste Salão da Justiça: deve-se proferir este feitiço purificado e asseado, vestido com roupas brancas e sandálias, pintado com delineador preto e ungido com mirra. Deve-lhe ser oferecido carne e aves, incenso, pão, cerveja e ervas quando houver colocado esse procedimento por escrito em um piso limpo de ocre sobreposto com terra sobre o qual nenhum porco ou pequeno gado tenha pisado.

Após isso, o escriba responsável pelo encanto é gratificado por um trabalho primoroso e assegura ao leitor que ele, o escriba, prosperará tal como seus filhos por sua participação na divulgação do feitiço. Ele se sairá bem, diz ele, quando chegar o seu próprio julgamento e será “conduzido com os reis do Alto Egito e os reis do Baixo Egito, e estará na comitiva de Osíris. Um fato um milhão de vezes verdadeiro.” Por fornecer esse conhecimento, o escriba era considerado como parte da estrutura de toda a essência da vida após a morte, garantindo-lhe dessa maneira uma recepção promissora no submundo e a travessia para o paraíso.

Para alguém comum e até mesmo o rei, toda a experiência era muito mais incerta. Se alguém respondesse corretamente a todas as perguntas e tivesse um coração mais leve que a pena da verdade, e se conseguisse ser amável com o rabugento Barqueiro Divino que remava as almas através do Lago dos Lírios, encontrar-se-ia no paraíso. O Campo de Juncos (às vezes chamado de Campo das Ofertas) era exatamente o que se tinha abandonado durante a vida terrena. Uma vez no Campo de Juncos, a alma se reunia com entes queridos perdidos e até mesmo com animais de estimação amados. Ela viveria em uma imagem da casa que sempre conheceu, com o mesmo quintal, as mesmas árvores, os mesmos pássaros cantando à noite ou de manhã, e isso seria desfrutado pela eternidade na presença dos deuses.

Outros Feitiços e Concepções Equivocadas

Havia várias situações em que o falecido poderia cometer erros entre a chegada ao Salão da Verdade e a travessia de barco para o paraíso. O Livro dos Mortos inclui encantamentos para qualquer tipo de circunstância, mas não parece que alguém estava garantido a sobreviver a essas reviravoltas. O Egito tem uma longa história e, como em qualquer cultura, as crenças mudaram ao longo do tempo.

Nem todos os detalhes descritos neste artigo abarcam a totalidade de perspectivas de cada era da história egípcia. Em alguns períodos, as modificações foram pequenas, enquanto em outros a vida após a morte era vista como uma jornada perigosa em direção a um além-mundo apenas temporário. Ainda em outras eras, ou o caminho para o paraíso era considerado muito direto depois que a alma fosse justificada por Osíris, ou também crocodilos poderiam abocanhá-la; curvas e desvios durante o caminho poderiam ser traiçoeiros e demônios apareciam para ludibriar ou até mesmo para atacar.

Nesses casos, a alma precisava de encantamentos para sobreviver e alcançar o paraíso. Eles estão inclusos no livro em títulos como: “Para Repelir Um Crocodilo”, “Para Espantar Uma Cobra”, “Para Não Ser Comido Por Uma Cobra no Reino dos Mortos”, “Para Não Morrer Novamente no Reino dos Mortos”, “Para Ser Transformado Em Um Falcão Divino”, “Para Ser Transformado Em Um Lótus”, “Para Ser Transformado Em Uma Fênix”, e assim por diante.

Os feitiços de transformação tornaram-se renomados por meio de alusões populares em produções televisivas e cinematográficas, o que resultou no entendimento equivocado de que O Livro dos Mortos é algum tipo de obra mágica a lá Harry Potter que os antigos egípcios usavam para rituais místicos. Como observado, porém, O Livro dos Mortos nunca foi usado para transmutações mágicas na Terra; os feitiços só funcionavam no pós-vida. Portanto, a afirmação de que O Livro dos Mortos seria algum tipo de texto de feiticeiro é tão errônea e infundada quanto a comparação com a Bíblia.

O Livro Egípcio dos Mortos também não tem a ver com O Livro Tibetano dos Mortos, embora essas duas obras sejam frequentemente comparadas uma à outra. O Livro Tibetano dos Mortos (nome real, Bardo Thodöl, “A Grande Libertação Pela Auscultação Durante os Estados Intermediários”) é uma compilação de textos a ser lida para uma pessoa que está morrendo ou que morreu recentemente e que informa à alma sobre o que está acontecendo passo a passo. A semelhança que compartilha com a obra egípcia é que tem a intenção de trazer conforto à alma e guiá-la para fora do corpo em direção ao pós-vida.

O Livro Tibetano dos Mortos, é claro, lida com uma cosmologia e sistema de crenças totalmente diferentes, mas a diferença mais significativa é que é projetado para ser lido dos vivos aos mortos; não é um manual para os mortos recitarem por si mesmos. Ambas as obras sofreram com os rótulos “Livro dos Mortos”, o que atrai a atenção daqueles que acreditam que são chaves para um conhecimento esclarecido ou como obras diabólicas a serem evitadas; na verdade, elas não são nada disso. Ambos as obras são construções culturais destinadas a tornar a morte uma experiência mais gerenciável.

Os feitiços ao curso do Livro dos Mortos – não importa em que época os textos tivessem sido escritos ou coletados – prometiam uma continuação da existência após a morte. Assim como na vida, havia provações e curvas inesperadas no caminho; áreas e experiências a serem evitadas; amigos e aliados a serem cultivados, mas eventualmente a alma poderia esperar ser recompensada por viver uma vida boa e virtuosa.

Para aqueles que ficaram para trás na História, as sentenças mágicas foram interpretadas da mesma forma como as pessoas nos dias de hoje leem horóscopos. Horóscopos não são escritos para enfatizar os pontos negativos de uma pessoa, nem são lidos para se sentir mal consigo mesmo; da mesma forma, os feitiços foram designados para que alguém ainda vivo pudesse lê-los, pensar em seu ente querido no outro lado e sentir-se seguro de que eles chegariam em segurança no Campo de Juncos.

Bibliografia

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